quarta-feira, 20 de abril de 2011

E vamos nós (de novo)

Lá vou eu mais uma vez. Festa de família, aquela multidão de desconhecidos e tios e tias e primos em oitavo grau, a maioria centenários, vindo me cumprimentar e apalpar e abraçar e retirar do túmulo da memória lembranças de mim no peniquinho ou em alguma brincadeira de criança na última vez que me viram, algumas, isto é, várias décadas atrás.
Há quase como que um ritualismo tribal nisso, onde a geração nova deve retornar à campa dos antepassados, ainda vivos, para apresentar a eles a nova safra familiar, a grande riqueza familiar que é uma nova geração exibindo variedade e retomadas da grande melodia genética de uma genealogia.
Como pães quentes e macios as novas crias vão surgindo no mundo, expelidas do ventre materno e deslizando com força pelos órgãos esgarçados em meio a sangue, mecônio e mais meia dúzia de líquidos que nem sei nominar. Vem em cores rosadas, roxeadas, morenas, verdes e toda uma gama de tonalidades a que os médicos logo correm para atestar uma nota, como as que vemos no concurso de patinação artística. As mães podem assim, depois, comparar entre si as crias pelas primeiras notas recebidas no currículo logo ao nascer. Quanto foi a nota no Apgar? E no segundo Apgar, quanto foi? E o teste do pezinho, passou ou rodou?
Embora eu tenha já aceitado minha condição de eremita-ser-anti-social, ainda me obrigo a comparecer com esparsa regularidade, uma vez a cada dez anos, mais ou menos. Não que eu não goste da ocasião, adoro, apenas um certo pânico ocasional que me assola.
O mais estranho mesmo, é ainda me chamarem por apelidos de infância, como Anacreontinho ou, ainda, pior, Creozinho, que já era ruim o suficiente e ficou ainda pior depois do surgimento em nossas belas artes nacionais da Dança do Créu.
Então lá vem eles chamando de Creozinho um aglomerado de osso e carne de quase dois metros e mais de cem quilos, suficiente para alimentar umas cinquenta famílias haitianas durante um mês. Ou um ano.
Mas o bom é que há sempre comilança, saudades saciadas e cerveja em fartura pois, como dizem os teutófonos, das Trinken regiert doch die Welt, o que é um ethos muito mais apreciável que o money makes the world go round, dos anglófonos, embora sendo um bom jogador eu tenha uma queda pela velha frase latina Fortuna Imperatrix Mundi, como no estupendo início de Carmina Burana, tendo aí em mente o sentido de sorte e azar... no meu caso mais azar do que sorte, geralmente.

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