quinta-feira, 30 de junho de 2016

A motoserra de Occam e as experiências-de-quase-morte

O neurocientista britânico Jason Braithwaite é um dos pesquisadores envolvidos com o estudo de experiências subjetivas comumente associadas a fenômenos paranormais – ou mesmo tidas como sobrenaturais. A diferença é que ele – junto com vários outros neurocientistas e cientistas cognitivos (como Chris French, Richard Wiseman, Olaf Blanke etc) – procura compreender tais experiências dentro de uma perspectiva científica convencional e filosoficamente naturalista.

Em 2008 ele havia escrito um ótimo artigo  (‘Towards a Cognitive Neuroscience of the Dying Brain‘) sobre as ‘experiências-de-quase-morte’ (cuja sigla em inglês é NDE) e as ‘experiências-fora-do-corpo’ (OBE) que são, algumas vezes, relatadas por pessoas que sofreram paradas cardíacas e estiveram perto de morrer, mas não só. Nesse artigo, Braithwaite explica o que sabemos sobre o assunto e explicita as limitações da perspectiva não-naturalista, algumas vezes, chamadas de ‘sobrevivencialista’.

As pessoas que advogam a hipótese sobrevivencialista – e que, portanto, adotam uma perspectiva sobrenaturalista para a consciência – defendem que tais fenômenos mostrariam que a consciência pode subsistir quando o cérebro não está ativo e, portanto, segundo eles, provariam a existência de algo como a alma, ou seja, eles propõem que tais experiências seriam evidências que a consciência/mente não é um entidade ou propriedade cujas causas são físicas. Essa visão vai contra a perspectiva científica moderna, ou seja, a de que a consciência e tudo que associamos a ela (nosso senso de identidade pessoal e corporal, nossas memórias, emoções, personalidade etc) é uma propriedade emergente de atividade dinâmica integrada de redes de neurônios ativos em nossos cérebros e que sem isso ela não pode existir.

Agora, em um novo artigo também publicado na revista The Skeptic, Braithwaite e Hayley Dewe (aluna de doutorado de Braithwaite, que investiga os correlatos neurocognitivos de experiências alucinatórias envolvendo o corpo, como as OBEs) continuam a pontuar os problemas com a interpretação das evidencias clínicas e instrumentais, frequentemente, empregadas pelos sobrevivencialistas para endossar sua posição.

A ideia geral apresentada por Dewe e Braithwaite é que, além de anedotas eventuais, não existem boas evidencias que qualquer NDEs e OBEs se deem exatamente quando o cérebro não estaria funcionando. Como os relatos são
feitos depois que os pacientes já se recuperaram e podem falar, não há como estabelecer que tais experiências se deram durante a parada cardiorrespiratória e nem quando o EEG estava isoelétrico. Pior do que isso. Mesmo os EEGs isoelétricos – as famosas ‘flat lines’ – não mostram que o cérebro está completamente sem atividade elétrica. Os registros isoelétricos mostram apenas que o cérebro encontra-se sem atividade coerente nas regiões mais externas do córtex. Então, embora um EEG isoelétrico persistente e que não se altera com estimulação dolorosa em indivíduos que não respiram sozinhos possa indicar a morte cerebral, um registro isoelétrico temporário não é prova de um cérebro morto.

De fato, existem algumas evidencias que atividade elétrica cortical coerente mais profunda e mesmo não-cortical aconteça quando EEGs isoelétricos são registrados. Na realidade, temos alguns indícios que alguns desses tipos de atividade podem estar relacionadas com experiência consciente anômala e até formação de memória. Porém, mesmo que esse não seja o caso, boa parte das evidencias nos levam a crer que as experiências subjetivas acontecem e portanto as memórias destes eventos são formadas ou logo antes ou logo depois do período de EEG isoelétrico, como os estudos com o modelo de síncope deixam claro, uma vez que são nesses períodos que as
experiências alucinatórias tendem a ocorrer; a despeito das tentativas dos sobrevivencialistas de desqualificarem tal modelo comparativo, deixando de lado as várias similaridades com as NDEs.

Evidências recentes obtidas a partir de estudos em roedores e com pacientes em UTIs também sustentam que, logo após a parada cardíaca, existe um surto de atividade elétrica cerebral coerente que é muito parecida a normalmente atribuída a consciência visual em indivíduos acordados. Então, embora ainda restem muitas questões em aberto e não estejamos perto de uma explicação realmente robusta de como o cérebro ativo produz nossas experiências subjetivas conscientes normais ou anômalas, as evidencias não sustentam a visão sobrevivencialista/sobrenaturalista. Para saber mais sobre o assunto veja as postagens: ‘Ateísmo, Naturalismo e Sobrenaturalismo, ‘Não adianta espernear, não existe uma neurociência não-materialista.‘, ‘Religião, espiritualismo e ciência: Uma relação complicada‘, ‘A Neurologia das Experiências de Quase Morte‘,’ Os últimos suspiros elétricos de um cérebro moribundo.‘, ‘Alucinações vestíbulo-motoras e experiência-fora-do-corpo‘, ‘Paralisia do sono: Uma perspectiva neurocientífica‘).
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Referências:

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Tubarões, submarinos e o poço sem fundo da vergonha que viraram os canais discovery.

E houve um tempo em que eu adorava a ‘Semana do Tubarão’, mesmo com os exageros e o certo sensacionalismo típico dos canais Discovery, mas desde que para eles a realidade (mesmo exagerada) passou a não bastar mais, e começaram a produzir pseudo-documentários após pseudo-documentários, não consigo nem mais sintonizar na maldita semana do tubarão.

Agora, dando continuação aquela coisa ridícula sobre o Megalodon, vai passar aqui no Brasil outra pérola, desta vez sobre os famigerados ‘submarinos’, tubarões brancos bem acima dos maiores tamanhos registrados; verdadeiras lendas marítimas ou urbanas, como preferir. É na mesma linha dos programas sobre as sereias e dragões e do pouco conhecido aqui no brasil Animal Planet ‘Lost tapes‘, que pendiam mais para o terror e sobrenatural e faziam o estilo ‘filmagem encontrada’.

A diagram from the Shark Week show “Shark of Darkness: Wrath of Submarine,”
 which shows how big the fabled mega-shark would be if it existed. (Pilgrim Studios)

Entendam. Não é que seja um programa especulativo nos qual os documentaristas crédulos vão atrás de alguma criatura lendária ou criptídeo, daqueles que os caras terminam com um tufo de pelos (que mais tarde descobrem que é de um animal comum) ou uma imagem borrada e ambígua, como na série Animal X. Não, não é isso. Não se trata deste tipo de programa, que também é bem ruim.

Este programa da semana do tubarão do ano passado segue o mesmo gênero dos programas sobre dragões, sereias e sobre o megalodon. São pura ficção, mas apresentada desavergonhadamente como um documentário e, caso você não preste atenção nos alertas e desmentidos, quase escondidos e super rápidos que aparecem no meio ou ao final, você pode ser enganado e acabar achando que aquilo é um documentário mesmo, já que, em tese, é para isso que canais como o Discovery Chanel e Animal Planet serviriam. Claro, você pode concluir que há algo de muito errado simplesmente por causa dos problemas de produção, cada vez mais desleixada, e por causa da canastrice dos ‘participantes’ (atores) e no diálogo esquisito (roteiro ruim).

Para maiores detalhes, veja os comentários da zoóloga marinha sul africana Michelle Wcisel sobre o programa aqui, no qual ela relata os furos e inconsistências dele. Cada vez mais ficção (ruim) e menos informação.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Será que algum dia as máquinas irão pensar como os seres humanos*?

Belo quadrinho feito pelo neurocientista Dwane Goodwin e pelo ilustrador (autor da ótima tirinha PHD) e engenheiro roboticista, Jorge Cham, sobre as contribuições impressionantes do matemático britânico Alan Turing.

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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Sobre sereias, goblins de metal e jogos de Pimball/RPG: As muitas vidas do 'Dr Paul Robertson'


 
Olhem só o 'Doutor Paul Robertson' do 'documentário' [Cof!cof!cof!] 'Sereias' e 'Sereias: Novos indícios' trocou de nome (agora ele chama-se Mark Hoyt) e de profissão (de biólogo marinho caçador de sereias virou um geomorfologista), e não é que ele encontrou outro ser fantástico, desta vez 'Homem Goblin da Noruega'. O cara é bom mesmo!

Este trecho foi tirado de outro docuficção (como 'Sereias' e 'Sereias: Novos Indícios'), mas desta vez feito como parte de uma campanha de marketing viral para um novo jogo (Too Human) produzida pela Silicon Knights.



Mas caso vc ainda não esteha satisfeito, saiba que Hoyt/Robertson, mundou de novo de nome e agora é David Evans um diretor de criação de jogos (RPG/Pinball) recrutando jogadores para testarem o novo jogo "Rollers of the realm". O cara é fantástico.



E tem gente que realmente acha que os programas do AP e DC são documentários de verdade e feitos em cima de evidências reais de humanoides aquáticos descobertas por cientistas de verdade. Deixando a brincadeira de lado, isso é sério. O cara é um ator e não tem culpa do que os produtores do AP fizeram.

Por favor, não acreditem em tudo que assistem na TV. Se algo for muito bom para ser verdade, desconfie, provavelmente é bom de mais para ser verdade mesmo. Investigue, questione-se. Não deixe suas expectativas e seus desejos turvarem seu senso crítico.
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Nota adicional: Pelo que pude verificar até agora. David Evans  é o nome real do ator, e diretor de criação de jogos, que interpreta os Doutores Paul Robertson e Mark Hoyt. Notem que no primeiro programa (Mermaids: The Body Found) dois atores viveram o Dr. Paul Robertson, como eu havia dito, um deles Andre Weideman que fazia as re-encenações e o outro era o próprio Evans que fazia interpretava o 'cientistas de verdade'.  Essa estratégia não é única e foi usada em no filme "Contatos de 4º Grau" de 2009 (The Fourth Kind), em que a atriz Milla Jovovich interpretava a psiquiatra que havia feito sessões de regressão com vítimas de abdução e uma outra atriz, bem menos famosa, Mia McKenna-Bruce, interpretava a 'psiquiatra' original, misturando re-encenações e 'filmagens reais' para dar um clima mais realista. Neste outro caso de pseudo-documentário muita gente também acreditou que os relatos fossem reais e que seriam evidências de abduções por alienígenas.

Postado originalmente no dia 25 de outubro no blog calmaria&tempestade.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Agora é a vez do Megalodon


Se já não bastassem as sereias, o Discovery Communications (responsável pelo Discovery Channel e pelo Animal Planet) enfia o pé na lama mais uma vez, e se afunda ainda mais no lodo da falta de seriedade, com outro pseudo-documentário, desta vez

PASCAL GOETGHELUCK/SCIENCE PHOTO LIBRAR
sobre o Megalodon, uma gigantesca espécie de tubarão já extinta e que, de acordo com o apresentado no programa, teria sido avistado e documentado este ano. O programa que é completamente ficcional, tirando algumas informações sobre os estudos baseados nos dentes fósseis encontrados deste animal, traz apenas um pequeno aviso em letras pequenas, e que permanece por 3 segundos visível na tela, explicando a natureza ficcional do programa, mencionado que avistamentos de 'submarinos' (como, às vezes, são chamados tubarões brancos de grande

CHRISTIAN DARKIN/SCIENCE PHOTO LIBRARY
porte) ainda são feitos que, por sinal, é o máximo que pode ser dito sobre 'evidências' da existência de espécimens vivos do Megalodon, o que é tanta evidência quanto temos para o monstro de Loch Ness.

Isso não é só triste, mas revoltante. A produção e veiculação deste tipo de programa envolve conscientemente contar com a incapacidade de diferenciar a verdade dos mitos dos telespectadores que têm em canais como o DC e AP suas maiores fontes de informação sobre ciência, tecnologia e história natural.

Ao invés de informar e entreter, estes canais só querem aumentar seus níveis da audiência. Veja também reportagem da CNN neste link.
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Referências: